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25 de Abril de 2024
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    Ministro Dias Toffoli, o seu voto

    Íntegra do voto do ministro Dias Toffoli no habeas corpus do ex-presidente Lula

    há 6 anos

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    Leia a íntegra do voto do ministro Dias Toffoli no Habeas Corpus (HC) 152752, impetrado em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ministro votou pela concessão do habeas corpus para determinar que o ex-presidente aguarde em liberdade o julgamento de eventual recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

    HABEAS CORPUS 152.752 PARANÁ RELATOR : MIN. EDSON FACHIN PACTE.(S) :LUIZ INACIO LULA DA SILVA IMPTE.(S) :CRISTIANO ZANIN MARTINS E OUTRO (A/S) ADV.(A/S) :LUIZ CARLOS SIGMARINGA SEIXAS ADV.(A/S) :JOSE PAULO SEPULVEDA PERTENCE E OUTRO (A/S) COATOR (A/S)(ES) :VICE-PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA V O T O O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI: Conforme destacado pelo eminente Relator, Ministro Edson Fachin, ao indeferir o pedido de medida liminar no presente habeas corpus e afetar o seu julgamento de mérito ao Plenário, o tema objeto das ADCs nº 43 e 44, Relator o Ministro Marco Aurélio, “precede, abarca e coincide com a matéria de fundo versada no presente, relativa à possibilidade de execução criminal após condenação assentada em segundo grau de jurisdição.” Exatamente por essa razão, reputo pertinente fazer remissão aos fundamentos do voto que proferi em 5/10/16, neste Plenário, no julgamento da medida cautelar nas ADC nº 43 e 44, o que passo a fazer. Em 28/6/91, o Supremo Tribunal Federal, na voz do Plenário, manifestou-se pela primeira vez, pós Constituição de 1988, a respeito do princípio constitucional da presunção de inocência (CF, art. , LVII) no que toca à execução provisória da pena. Refiro-me ao HC nº 68.726/DF, Relator o Ministro Néri da Silveira, cuja ementa foi lavrada nos seguintes termos: “HABEAS CORPUS. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA EM SEGUNDO GRAU. MANDADO DE PRISÃO DO PACIENTE. INVOCAÇÃO DO ART. , INCISO LVII, DA CONSTITUIÇÃO. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 669. A ORDEM DE PRISÃO, EM DECORRÊNCIA DE DECRETO DE CUSTODIA PREVENTIVA, DE SENTENÇA DE PRONUNCIA OU DE DECISÃO DE ÓRGÃO JULGADOR DE SEGUNDO GRAU É DE NATUREZA PROCESSUAL E CONCERNE AOS INTERESSES DE GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL OU DE EXECUÇÃO DA PENA IMPOSTA, APÓS O DEVIDO PROCESSO LEGAL. NÃO CONFLITA COM O ART. , INCISO LVII, DA CONSTITUIÇÃO. DE ACORDO COM O PAR.2 DO ART. 27 DA LEI nº 8.038/1990, OS RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL SÃO RECEBIDOS NO EFEITO DEVOLUTIVO. MANTIDA, POR UNANIMIDADE, A SENTENÇA CONDENATÓRIA, CONTRA A QUAL O RÉU APELARA EM LIBERDADE, EXAURIDAS ESTÃO AS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS CRIMINAIS, NÃO SENDO, ASSIM, ILEGAL O MANDADO DE PRISÃO QUE ÓRGÃO JULGADOR DE SEGUNDO GRAU DETERMINA SE EXPEÇA CONTRA O RÉU. HABEAS CORPUS INDEFERIDO” (DJ de 20/11/92 – grifos nossos). Assentou o voto condutor desse acórdão que “a ordem de prisão, em decorrência de decreto de custódia preventiva, de sentença de pronúncia ou de decisão de órgão julgador de segundo grau, é de natureza processual; concerne aos interesses da garantia da aplicação da lei penal ou da execução da pena imposta, após reconhecida a responsabilidade criminal do acusado, segundo o devido processo legal, com respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa”. A Suprema Corte, então, assentou que não contrastaria com o art. , LVII, da Constituição Federal a execução provisória de sentença condenatória na pendência de recursos especial ou extraordinário, ao fundamento de que ambos não têm efeito suspensivo. Essa decisão foi proferida por unanimidade, registrando-se que, justificadamente, não participaram daquela assentada os eminentes Ministros Celso de Mello e Marco Aurélio, consoante se verifica na ata HC 152752 / PR de julgamento. Esse entendimento perdurou na Suprema Corte por quase 2 (duas) décadas, até que, em 5/2/09, no julgamento do HC nº 84.078/MG, Pleno, Relator o Ministro Eros Grau, DJe de 26/2/10, a Corte estabeleceu a exigência do trânsito em julgado da condenação para a execução da pena, assentando que, antes do trânsito em julgado, a prisão somente poderá ser decretada ou mantida a título cautelar. O writ foi concedido por 7 votos a 4, observando-se que, dos atuais componentes do Supremo Tribunal Federal, concederam a ordem os Ministros Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Marco Aurélio e Gilmar Mendes, ao passo que a Ministra Cármen Lúcia a denegou. Passados 7 (sete) anos desse julgamento, no HC nº 126.292/SP, Relator o Ministro Teori Zavascki, DJe de 17/5/16, o Plenário voltou - curiosamente, por idêntica maioria de votos (7x4) -, a admitir a execução provisória do acórdão penal condenatório a partir do exaurimento dos recursos ordinários. Decidiu a Corte que a execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não compromete o núcleo essencial da presunção de inocência, “na medida em que o acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual”. O Supremo Tribunal Federal, portanto, repristinou o entendimento que vigorou até 2009, até o julgamento do HC nº 84.078/MG. Consoante o voto condutor do HC nº 126.292/SP, a impetração de habeas corpus ou o ajuizamento de medidas cautelares para conferir efeito suspensivo a recursos especial ou extraordinário se mostram adequados e eficientes para “controlar situações de injustiças ou excessos em juízos condenatórios recorridos”. Aduziu o voto condutor do HC nº 126.292/SP que os recursos de natureza extraordinária não têm por finalidade específica examinar a justiça ou injustiça de sentenças em casos concretos, mas sim preservar a higidez do sistema normativo, tanto mais que, no recurso extraordinário, HC 152752 / PR exige-se a demonstração da repercussão geral, ou seja, de que a questão transcende o interesse subjetivo do recorrente, “sendo irrelevante, para esse efeito, as circunstâncias do caso concreto”. Destacou o Relator daquele julgado que a interposição de recursos meramente protelatórios, que almejam a prescrição da pretensão punitiva, representa mecanismo inibidor da efetividade da jurisdição penal, e que a retomada do entendimento anterior do Supremo Tribunal Federal constituía mecanismo legítimo de harmonizar o princípio da presunção de inocência com a efetividade da função jurisdicional. Fixou-se, então, a seguinte tese de julgamento: “[a] execução de decisão penal condenatória proferida em segundo grau de jurisdição, ainda que sujeita a recurso especial ou extraordinário, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou nãoculpabilidade”. No julgamento do HC nº 126.292/SP, filiei-me à corrente majoritária, observados os limites daquele caso. Agora, trazido novamente o tema à luz, em sede de ação declaratória de constitucionalidade, tenho a oportunidade de revisitá- lo. Como aduz Rodrigo Capez, “[e]m nosso regime constitucional, a liberdade de locomoção, enquanto pressuposto para o pleno exercício das demais liberdades constitucionalmente asseguradas, constitui a regra; a prisão é a exceção. No campo processual penal, devem ser destacadas, no art. da Constituição Federal, as seguintes garantias: a) ‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’ (inc. LIV); b) ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (inc. LVII); c) ‘ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei’ (inc. LXI); d) ‘a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária’ (inc. LXV); e) ‘ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança’ (inc. LXVI). Da conjugação desses dispositivos, que instituem um regime constitucional de garantias próprio da liberdade de locomoção, conclui-se que essa liberdade constitui a regra; a prisão cautelar sempre será excepcional e provisória” 1 Por sua vez, o princípio constitucional da presunção de inocência se concretiza como norma probatória, norma de juízo e norma de tratamento2 Como norma probatória, presunção de inocência significa que o ônus da prova recai inteiramente sobre o órgão acusador, a quem incumbe demonstrar, de forma suficiente, a existência dos fatos em que se lastreia a hipótese acusatória. O acusado, portanto, não tem o ônus de provar sua inocência. Como norma de juízo, a presunção de inocência orienta e conforma o momento decisório, no qual o juiz analisa a suficiência ou a aptidão da 1 CAPEZ, Rodrigo. A individualização da medida cautelar pessoal no processo penal brasileiro. São Paulo, 2015. dissertação (Mestrado em Direito) Universidade de São Paulo 2 ZANOIDE DE MORAES, Maurício. Presunção de inocência no processo penal brasileiro: análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 358-364. GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 37. CAPEZ, Rodrigo. A individualização da medida cautelar pessoal no processo penal brasileiro. São Paulo, 2015. dissertação (Mestrado em Direito) Universidade de São Paulo. HC 152752 / PR prova da materialidade e da autoria de uma infração para formar seu convencimento. Um dos mais significativos desdobramentos da presunção de inocência como norma de juízo é o in dubio pro reo: a dúvida fática, em todas as decisões judiciais, deve favorecer o imputado. Por fim, como norma de tratamento, a presunção de inocência significa que, diante do estado de inocência que lhe é assegurado por esse princípio, o imputado, no curso da persecução penal, não pode ser tratado como culpado nem a esse equiparado. Em sua mais relevante projeção como norma de tratamento, a presunção de inocência implica a vedação de medidas cautelares pessoais automáticas ou obrigatórias, isto é, que decorram, por si sós, da existência de uma imputação e, por essa razão, importem em verdadeira antecipação de pena. Estabelecidas essas premissas, passo à análise do art. 283 do Código de Processo Penal, cuja constitucionalidade é o objeto das presentes ações declaratórias. O artigo assim dispõe: “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Essa redação foi conferida ao art. 283 do Código de Processo Penal pela Lei nº 12.403/11, em atenção ao quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal no HC nº 84.078/MG, Pleno, Relator o Ministro Eros Grau, DJe de 26/2/10. Com efeito, na redação original do Decreto-lei nº 3.689/41, limitavase o referido artigo a dispor que “a prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio”. Segundo José Joaquim Gomes Canotilho, densificar uma norma “significa preencher, complementar e precisar o espaço normativo de um preceito constitucional, especialmente carecido de concretização, a fim de tornar possível a solução, por esse preceito, dos casos concretos”. Assim, “densifica-se um espaço normativo (= preenche-se uma norma) para tornar possível a sua concretização e consequente aplicação a um caso concreto”.3 O art. 283 do Código de Processo Penal, portanto, limita-se a densificar os dispositivos constitucionais que estabelecem que a liberdade de locomoção constitui a regra, e a prisão, a exceção. Mais precisamente, densifica o art. , LVII, CF, que consagra a presunção de inocência. Assentados os dispositivos constitucionais que constituem o fundamento de validade material do art. 283 do Código de Processo Penal, cuja compatibilidade com a Constituição Federal é inequívoca, resta, tão somente, atribuir a ele a correta significação, ou seja, dar a ele uma interpretação conforme à Constituição Federal, para o fim de se autorizar ou não a execução provisória da pena. Como salienta Eros Grau, não se interpretam os textos do direito em tiras, aos pedaços.

    O significado normativo de cada texto só é detectável no momento em que ele é inserido no contexto do sistema, para após afirmar-se, plenamente, no contexto funcional4 Nesse diapasão, não se pode olvidar que a Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal) estabelece que o preso provisório e o condenado por sentença transitada em julgado deverão ser custodiados separadamente, observados os critérios legalmente fixados (arts. 2º e 84). A Lei de Execução Penal também delimita os estabelecimentos 3 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1075. 4 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 127-128. prisionais destinados ao condenado e ao preso provisório, preconizando que a penitenciária se destina ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado (art. 87); que a Colônia Agrícola, Industrial ou Similar se destina ao cumprimento da pena em regime semiaberto (art. 91); que a Casa do Albergado se destina ao cumprimento de pena privativa de liberdade em regime aberto (art. 93) e que a cadeia pública se destina ao recolhimento de preso provisório (art. 102). Ora, admitida a execução provisória da pena, onde seriam recolhidos os presos a ela submetidos? Em meu sentir, constituiria flagrante injustiça permitir que o preso submetido à execução provisória de pena permanecesse recolhido em cadeias públicas ou delegacias.

    O quadro é dramático, haja vista que o Estado, ao não cumprir a exigências legais de alojamento do condenado em cela individual e os requisitos mínimos de salubridade da unidade celular (art. 88 da Lei nº 7.210/84), acaba por fomentar a atuação de organizações criminosas no sistema prisional. Feito esse registro, observo que o art. 283 do Código de Processo Penal contempla as três modalidades de prisão constitucionalmente previstas no âmbito do processo penal: i) prisão em flagrante, ii) prisão cautelar (temporária ou preventiva) e iii) prisão-pena ou sanção. A prisão em flagrante é despida de natureza cautelar porque não visa assegurar os meios ou o resultado do processo, mas sim colocar o detido, imediatamente, à disposição do juiz, para que analise sua legalidade e adote ou não uma verdadeira medida cautelar, a teor do que dispõe o art. 310 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 12.403/11. Nesse sentido, Maurício Zanoide de Moraes aduz que a prisão em flagrante é uma prisão provisória sem finalidade cautelar decorrente de razões materiais (“certeza visual do cometimento do crime pelo tido autor”), tanto que, no momento em que ocorre, nem sequer se terá iniciado a persecução penal.5 5 ZANOIDE DE MORAES, 2010, p. 387

    Efêmera, sua força coercitiva somente subsiste entre a lavratura do auto de prisão em flagrante e a análise judicial da legalidade dessa prisão e da necessidade, ou não, de imposição de medida cautelar diversa da prisão ou, em último caso, de sua conversão em prisão preventiva. Por sua vez, a prisão cautelar é um instrumento a serviço de um instrumento (processo). Sua finalidade precípua é resguardar os meios (cautela instrumental) ou os fins (cautela final) do processo. Finalmente, a prisão-pena, como sanção imposta pelo Estado pela violação de um bem jurídico penalmente tutelado, exige a formulação de um juízo definitivo de culpabilidade em um título judicial condenatório transitado em julgado. Logo, se não for hipótese de prisão em flagrante ou de prisão cautelar, não se admitirá a prisão antes do trânsito em julgado da condenação, vale dizer, antes que se forme a coisa julgada penal. Coisa julgada penal é um termo inequívoco: imutabilidade dos efeitos da sentença penal condenatória. Trânsito em julgado, portanto, significa que se tornaram imutáveis os efeitos da sentença condenatória, pela preclusão ou pelo exaurimento do legítimo exercício do direito à interposição dos recursos cabíveis – sublinhe-se “legítimo”, para bem estremá-lo do ilegítimo, enquanto abusivo ou procrastinatório. Nesse contexto, a execução provisória da pena, por tratar o imputado como culpado e configurar punição antecipada, violaria a presunção de inocência como “norma de tratamento” , bem como a expressa disposição do art. 283 do Código de Processo Penal. Em sua interpretação literal, a presunção de inocência exige que o réu seja tratado como inocente não apenas até o exaurimento dos recursos ordinários, mas sim até o trânsito em julgado da condenação, o que é bem diverso. Daí porque interpretar trânsito em julgado como mero exaurimento dos recursos ordinários subverteria o texto legal, haja vista que não se concebe a existência do trânsito em julgado provisório: ou se exaure a legítima possibilidade de recorrer, e a pena pode ser executada, ou não se HC 152752 / PR exaure, e a execução da pena é vedada. Analogamente, o entendimento de que, após o julgamento dos recursos ordinários, a presunção de inocência se convolaria em presunção de culpabilidade colide frontalmente com o texto do art. , LVII, da Constituição Federal. Com efeito, a presunção de inocência, por expressa disposição constitucional, subsiste íntegra até o trânsito em julgado. Pouco importa, nesse contexto, que os recursos especial e extraordinário, via de regra (arts. 995 e 1.029, § 5º, do Código de Processo Civil), não tenham efeito suspensivo: não bastasse a letra expressa do art. 283 do Código de Processo Penal, o art. , LVII, CF, se mostra suficiente para impedir a execução provisória do julgado penal. Outrossim, com a devida vênia, não me parece correta a assertiva de que não é função dos tribunais superiores examinar a justiça ou a injustiça das decisões proferidas pelas instâncias inferiores. Fazer justiça não é somente reexaminar fatos e provas – questão indiscutivelmente afeta aos tribunais de segundo grau -, mas também corrigir ilegalidades na tipificação de crimes, na dosimetria da pena, na fixação do regime prisional, máxime quando se considera que, não obstante sumulados diversos entendimentos pelos tribunais superiores, em inúmeros casos, as instâncias inferiores se negam a observá-los, a pretexto da inexistência de efeito vinculante, forçando, assim, o acusado a percorrer uma autêntica via crucis recursal. De toda sorte, em meu sentir, é possível interpretar-se o requisito do trânsito em julgado, previsto no art. , LVII, da Constituição Federal, como exigência de certeza na formação da culpa, para, ato contínuo, precisar o momento em que se atinge essa certeza. Nas palavras de Juarez Freitas, o intérprete está “vinculado ao dever indeclinável de encontrar soluções sistematicamente melhores”: a interpretação jurídica é sistemática ou não é interpretação6 Note-se, a propósito, que, por força do art. 102, § 3º, da Constituição 6 FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 76-79.

    HC 152752 / PR Federal, o recurso extraordinário, ao exigir a repercussão geral da questão constitucional suscitada, pressupõe a transcendência dos interesses subjetivos do recorrente. Dessa feita, como o recurso extraordinário não se presta à correção de ilegalidades de cunho meramente individual, não há razão para se impedir a execução da condenação na pendência de seu julgamento, ou de agravo em recurso extraordinário. Já o recurso especial, embora precipuamente voltado à tutela do direito federal, efetivamente se presta à correção de ilegalidades de cunho individual, desde que a decisão condenatória contrarie tratado ou lei federal, negue vigência a eles ou “[dê à] lei federal interpretação divergente da que lhe haja dado outro tribunal” (art. 105, III, a e c, CF). Assentadas essas premissas, há que se precisar o momento em que se atinge a certeza na formação da culpa. Essa certeza não advém apenas do alto grau de probabilidade – vale dizer, para além de qualquer dúvida razoável - da autoria e da materialidade do delito, questões de natureza eminentemente fática, cuja apreciação ordinariamente se exaure nas instâncias locais. Com efeito, para além dessas questões fáticas, a certeza na formação da culpa deriva de um juízo de valor sobre a tipicidade, a antijuridicidade da conduta e a culpabilidade do agente, bem como sobre a própria sanção penal a ser concretamente imposta, atividade que pressupõe o estabelecimento: i) das penas aplicáveis dentre as cominadas; ii) da quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; iii) do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade e iv) da substituição da pena privativa de liberdade por outra espécie de pena, se cabível (art. 59, CP). Ora, não há dúvida de que a enunciação desses juízos de valor está reservada ao Superior Tribunal de Justiça, em razão da missão constitucional que lhe foi outorgada de zelar pela higidez da legislação penal e processual penal e pela uniformidade de sua interpretação. Corroborando essa assertiva, a jurisprudência desta Suprema Corte é assente no sentido de que a afronta aos princípios da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, quando depende, para ser reconhecida como tal, da análise de normas infraconstitucionais, não configura ofensa direta e frontal à Constituição da República e, portanto, não autoriza a via do recurso extraordinário. Nesse sentido: AI nº 603.952/SP-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Menezes Direito, DJ de 27/6/08; AI nº 651.927/SP-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 30/5/08; AI nº 649.191/DF-AgR, Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 1º/6/07; AI nº 622.527/AP-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJ de 18/5/07; AI nº 562.809/SP-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ de 18/5/07; e AI nº 563.028/GOAgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 11/5/07, entre inúmeros outros. Na esteira dessa interpretação, se o trânsito em julgado se equipara à constituição da certeza a respeito da culpa – enquanto estabelecimento de uma verdade processualmente válida, para além de qualquer dúvida razoável -, reputo viável que a execução provisória da condenação se inicie com o julgamento do recurso especial ou do agravo em recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça. Essa, aliás, é a tese subsidiária comungada pelo eminente Relator, Ministro Marco Aurélio, que, em seu voto, bem destacou “o espaço de atuação reservado ao Superior Tribunal como intérprete definitivo da legislação federal”, in verbis: “O Superior Tribunal de Justiça consolidou função uniformizadora relativamente à legislação federal, espaço prioritário de aplicação do Direito Penal. Percebam serem os Códigos Penal e de Processo Penal leis federais. Cumpre-lhe examinar a correta interpretação da lei penal, sob o ângulo da configuração dos substratos do delito, sendo admissível o recurso especial por simples divergência jurisprudencial. Ao assim atuar, o Superior funciona como verdadeiro Tribunal de Cassação apesar de lhe serem vedadas incursões fático-probatórias. É que o Direito Penal não [s]e limita à análise de fatos, abrangendo também normas essenciais para a configuração da culpa. (...) Mesmo em situações mais próximas da tênue linha entre revolvimento do arcabouço fático e revaloração da prova, o Superior Tribunal tem avançado para fazer cumprir a legislação pertinente, como ocorreu nos casos de desproporcionalidade da pena-base. São muitos os exemplos de pronunciamentos do Superior a revelarem a influência determinante em inúmeras oportunidades, considerado o regime do recurso especial e a interpretação do Direito Penal, sendo equivocado diminuir o papel exercido pelo Tribunal nesse campo. Tal como ao Supremo compete a guarda da Constituição Federal, cabe ao Superior Tribunal a palavra final sobre a vasta quantidade de controvérsias alusivas à disciplina criminal.” Não se argumente que aguardar o julgamento do recurso especial (REsp) ou do agravo em recurso especial (ARESP) interpostos no exercício do direito de defesa frustraria a efetividade da jurisdição penal, uma vez que essa efetividade não pode ser obtida à custa da supressão de direitos fundamentais. Ademais, existem mecanismos já consolidados na jurisprudência dominante desta Suprema Corte para se coarctar o abuso no direito de recorrer. Cito, como exemplo, o julgamento da questão de ordem no RE nº 839.163/DF, Pleno, de minha relatoria, DJe de 10/2/15. Conforme assentei no voto condutor desse julgado, “o Supremo Tribunal Federal admite a determinação de baixa dos autos independentemente da publicação de seus julgados seja quando haja o risco iminente de prescrição, seja no intuito de repelir a utilização de sucessivos recursos, com nítido abuso do direito de recorrer, cujo escopo seja o de obstar o trânsito em julgado de condenação e, assim, postergar a execução dos seus termos. (...) No mesmo sentido, da Primeira Turma e da Segunda Turma, colho precedentes dos Ministros Roberto Barroso (HC nº 120.453/PR, DJe de 1º/7/14), Rosa Weber (HC nº 114.384/SC, DJe de 9/8/13), Luiz Fux (ARE nº 752.970/DF-AgR-ED-ED, DJe de 5/2/14), Ricardo Lewandowski (HC nº 107.891/SC, DJe de 21/5/14) e Gilmar Mendes (ARE nº 665.384/RJ-AgR-ED, DJe de 5/9/12). (...) Portanto, dúvida não há de que a questão é objeto da jurisprudência dominante da Corte. Dessa feita, longe de constituir afronta aos princípios da colegialidade e do devido processo legal, é legítima a atuação do Relator para decidir monocraticamente a questão – dado o abuso do direito de recorrer e o risco iminente da prescrição -, tendo em vista uma interpretação teleológica do art. 21, § 1º, do Regimento Interno da Corte, segundo o qual ‘[p]oderá o (a) Relator (a) negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente inadmissível, improcedente ou contrário à jurisprudência dominante ou a Súmula do Tribunal (...)’. O magistério jurisprudencial da Corte preconiza que, ‘não viola o princípio da colegialidade a competência conferida ao Relator para, monocraticamente, negar seguimento a recurso contrário à jurisprudência dominante do Tribunal (art. 21, § 1º, do RI/STF)’ (RMS nº 26.168/DF-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Roberto Barroso, DJe de 13/10/14). Note-se que a atuação monocrática do Relator nessas circunstâncias não é inédita na Corte. O eminente Ministro Gilmar Mendes, por exemplo, ao analisar o AI nº 858.084/MS, dele conheceu para negar seguimento ao recurso extraordinário (CPC, art. 544, § 4º, inciso II, alínea b), bem como, ante o risco iminente da ocorrência de prescrição, determinou a imediata baixa dos autos, independentemente da publicação da decisão proferida (DJe de 21/5/13).

    Do mesmo modo, por entender configurado o abuso no direito de recorrer, o eminente Ministro Luiz Fux, ao não conhecer dos embargos de divergência no agravo regimental no ARE nº 735.792/SP, determinou monocraticamente a baixa dos autos, independentemente de sua publicação (DJe de 3/9/14).” Em meu sentir, a determinação de imediata baixa dos autos, independentemente da publicação da decisão, para a execução imediata da pena constitui mecanismo suficiente para tutelar as situações de abuso do direito de recorrer, o qual pode e deve ser utilizado pelos tribunais superiores. Com esse mesmo propósito (tutelar as situações de abuso do direito de recorrer), o Plenário, no julgamento do RE nº 465.383/ES-AgR-AgREDv-ED, de minha relatoria, admitiu, em matéria penal, a imposição de multa sobre o valor da condenação por litigância de má-fé. Aliás, nesse mesmo julgado, entendeu a Corte que o risco iminente de consumação da prescrição da pretensão punitiva, quando caracterizada a procrastinação, legitima a baixa dos autos ao juízo de origem para a imediata execução da pena, independentemente do trânsito em julgado da decisão. Destaco a ementa do julgado em questão: “Embargos de declaração em embargos de divergência no agravo regimental no agravo regimental no recurso extraordinário. Matéria criminal. Conversão em agravo regimental. Precedentes. Ausência de demonstração da divergência jurisprudencial autorizadora do recurso. Precedentes. Agravo regimental não provido. Recurso manifestamente protelatório. Litigância de má-fé. Imposição de multa sobre o valor da condenação. Precedente. Risco de prescrição. Baixa imediata para execução da pena imposta. 1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental. 2. Não foi demonstrado o dissenso entre o que decidido e os acórdãos paradigma trazidos pelo agravante. Agravo regimental ao qual se nega provimento. 3. Imposição ao agravante de pagamento de multa sobre o valor atualizado da condenação, tendo em vista e interposição de sucessivos recursos manifestamente protelatórios, a configurar a litigância de má-fé (art. 18 do Código de Processo Civil). 4. Considerando que a consumação da prescrição da pretensão punitiva estatal está próxima, independentemente do trânsito em julgado da decisão, devem ser baixados os autos ao juízo de origem para o imediato cumprimento da pena imposta” (Tribunal Pleno, DJe de 7/6/11). Ve-se que, nessas hipóteses, justificadamente, em razão do abuso no direito de recorrer, opera-se tão somente a antecipação do momento do trânsito em julgado da sentença condenatória, a autorizar o cumprimento definitivo da pena, em estrita conformidade com o art. 283 do Código de Processo Penal. Por todos esses fundamentos, ao apreciar o pedido de medida cautelar nas ADC nº 43 e 44, votei pela sua concessão, em parte, para o fim de i) se determinar a suspensão das execuções provisórias de decisões penais ordenadas na pendência de julgamento de recurso especial (REsp) ou de agravo em recurso especial (AREsp) que tenham por fundamento as mesmas razões de decidir do julgado proferido pelo Plenário do STF no HC nº 126.292/SP; e ii) se obstar que, na pendência de julgamento de recursos daquela natureza, sejam deflagradas novas execuções provisórias com base nas mesmas razões. Nas ADC em questão, todavia, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, houve por bem indeferir o pedido de medida cautelar, de modo a admitir a execução provisória da pena. Por força do princípio da colegialidade, embora sempre ressalvando minha posição pessoal, vinha aplicando o entendimento majoritário de que a determinação de execução provisória não evidenciaria teratologia flagrante, tanto nos casos individualmente submetidos à minha apreciação quanto nos agravos de minha relatoria submetidos a julgamento perante a Colenda Segunda Turma. Exemplificativamente, transcrevo, na parte que interessa, o voto condutor do julgado proferido no HC nº 149.348/PR-AgR, Segunda Turma, de minha relatoria, DJe de 30/11/17: “De qualquer modo, registro que a situação de execução provisória evidenciada nos autos não evidencia teratologia flagrante, sendo certo, ademais, que o entendimento Plenário da Corte é no sentido de que ‘a execução provisória da sentença penal condenatória já confirmada em sede de apelação, ainda que sujeita a recurso especial ou extraordinário, não desborda em ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência’ (HC nº 126.292/SP, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Teori Zavascki, DJe de 17/5/16). Esse entendimento manteve-se inalterado no Supremo Tribunal, que, em 5/10/16, indeferiu as medidas cautelares formuladas na ADC nº 43 e na ADC nº 44, nas quais se pleiteava, sob a premissa da constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal, a suspensão das execuções provisórias de decisões penais que têm por fundamento as mesmas razões de decidir do julgado proferido no HC nº 126.292/SP. Fica ressalvado, contudo, meu entendimento pessoal consignado por ocasião do julgamento daquelas ações diretas. Aliás, o Plenário virtual reafirmou o entendimento preconizado no HC nº 126.292/SP em sede de repercussão geral (Tema nº 925): “CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁ- RIO. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. , LVII). ACÓRDÃO PENAL CONDENATÓRIO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. JURISPRUDÊNCIA REAFIRMADA. 1. Em regime de repercussão geral, fica reafirmada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo , inciso LVII, da Constituição Federal. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento, com o reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre a matéria” (ARE nº 964.246/SP, Relator o Ministro Teori Zavascki, DJe de 25/11/16). Portanto, não obstante os argumentos trazidos à baila, o entendimento, até o momento, predominante na Corte é o de que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal”. Ocorre que, submetida a questão, desta feita, ao Plenário do Supremo Tribunal Federal, por absoluta coerência com o posicionamento que, de longa data (5/10/16) adotei neste Colegiado Maior, reputo ser este o locus adequado para, uma vez mais, reafirmar minha posição pessoal no sentido de obstar a execução provisória da pena, na pendência de julgamento de recurso especial (REsp) ou de agravo em recurso especial (AREsp). Dando maior especificidade à expressão “pendência de julgamento de recurso especial (REsp) ou de agravo em recurso especial (AREsp)”, por mim empregada no julgamento da medida cautelar nas ADC nº 43 e 44, entendo que a execução provisória da pena deva ser obstada até o julgamento colegiado no Superior Tribunal de Justiça do recurso especial (REsp) ou do agravo em recurso especial (AREsp), bem como dos primeiros embargos declaratórios eventualmente opostos contra esses julgados, após o que poderá se iniciar a execução da pena, inclusive a restritiva de direitos. Nesse particular, penso que a interposição dos primeiros embargos de declaração, exatamente por seu caráter inaugural, traz ínsita a presunção relativa de boa-fé do embargante pela busca da efetiva sanação de eventuais vícios – contradição, omissão ou obscuridade - de que se revista o acórdão embargado. Como aponta a doutrina,7 “[n]ão se trata de discutir se os embargos de declaração são ou não providos de efeito suspensivo,8 mas de exigir o exaurimento da instância (...) para a deflagração da execução provisória da pena, mesmo porque a correção de eventual contradição, omissão ou obscuridade poderá conduzir à modificação do julgado embargado. Evidente que o abuso no manejo desse recurso deve ser coarctado, de modo que, reconhecido, v.g., o caráter meramente procrastinatório da interposição de segundos embargos declaratórios, poderá ser determinado, de imediato, o início da execução da pena, independentemente, inclusive, da publicação 7 CAPEZ, Rodrigo. Prisão e medidas cautelares diversas: a individualização da medida cautelar no processo penal. São Paulo : Quartier Latin, 2017, p. 372. 8 O Supremo Tribunal Federal já decidiu que os embargos de declaração não possuem, ordinariamente, efeito suspensivo. Vide HC nº 81.901/PE, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, julgado em 27/8/02, DJe de 1º/2/13, e HC nº 75.835/SP, Segunda Turma, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 27/4/01. Importante salientar que, neste último julgado, o voto condutor do acórdão partiu da premissa de que a interposição dos embargos de declaração não impede a execução da condenação confirmada em segundo grau porque esse recurso apenas excepcionalmente teria efeito modificativo do julgado. A contrario sensu, a possibilidade, em sede de embargos de declaração, de infringência do acórdão proferido em grau de apelação impediria a sua imediata execução do respectivo acórdão” Importante salientar que não se está a inibir a possibilidade de o Tribunal de Justiça ou o Tribunal Regional Federal, no acórdão condenatório ou confirmatório da condenação, virem a manter ou a decretar a prisão preventiva do acusado, de maneira fundamentada, com a precisa indicação da situação do perigo de fuga ou para ordem pública criada por seu comportamento (art. 312, CPP). Dito de outro modo, embora obstada a execução provisória da pena a partir do julgado de segundo grau, continua aberta a possibilidade de motivada decretação da prisão preventiva do acusado, para que se resguardem a ordem pública ou os fins do processo. Vislumbro, todavia, uma única possibilidade de imediata execução do julgado de segundo grau: quando se tratar de acórdão confirmatório de condenação emanada do Tribunal de Júri, em decorrência da soberania dos seus vereditos, de matriz constitucional (art. , XXXVIII, c, CF). Como já tive a oportunidade de destacar em voto proferido no HC nº 114.214/PA, Primeira Turma, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJe de 5/12/13, “[a] respeito desse princípio constitucional essencial para os julgamentos realizados pelo Tribunal do Júri (art. , inciso XXXVIII, alínea c, da Constituição da República), ensina Souza Nucci, em sua obra Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais, que “a soberania dos veredictos é a alma do Tribunal Popular, assegurando-lhe o efetivo poder jurisdicional e não somente a prolação de um parecer, passível de rejeição por qualquer magistrado togado. Ser soberano significa atingir a supremacia, o mais alto grau de uma escala, o poder absoluto, acima do qual inexiste outro. Traduzindo-se esse valor para o contexto do veredicto popular, quer-se assegurar seja esta a última voz a decidir o caso, quando apresentado a julgamento no Tribunal do Júri” (São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010). Como preleciona o jurista Paulo Rangel, “a verdade será aquela decidida pelos jurados, independentemente do que as partes possam alegar. Os jurados simbolizam a paz e a harmonia entre os homens, pois são os iguais decidindo o que os outros iguais querem para a sociedade. Os jurados simbolizam a verdade suprema e, por isso, suas decisões são soberanas” (Direito Processual Penal, 20. ed. São Paulo: Atlas, 2012). A par desses conceitos, pode-se dizer que o princípio constitucional da soberania dos vereditos confere à decisão dos jurados, em tese, um caráter de intangibilidade quanto ao seu mérito. Não ignoro, entretanto, a posição majoritária da doutrina e da jurisprudência no sentido de que o veredito do júri, embora soberano, não é absoluto. Todavia, essa soberania somente pode ser mitigada quando da necessidade de se verificar a existência de aspectos técnico-jurídicos e questões de direito em um rol extremamente exaustivo, sendo este o ponto de encaixe do meu ponto de vista. Refiro-me ao seu art. 593, inciso III: “Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (...) III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia (aspecto técnico- jurídico); b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados (aspecto técnicojurídico); c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança (questão de direito); d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos (questões de fato e de direito) (...)”. Note-se que, segundo a alínea d do dispositivo, a contrariedade entre a decisão e a prova que desafia recurso é aquela que está manifesta, evidente, patente nos autos. Essa circunstância, em princípio, seria dotada de legitimidade jurídica, em seus aspectos formais e materiais, para mitigar o preceito constitucional da soberania sem afrontá-lo. Entretanto, a maioria dos casos não reflete essa situação peculiar. Ocorre que o apelo manejado com fulcro na alínea d da norma regente apenas se presta para manifestar inconformismo quanto ao desfecho absolutório ou condenatório do julgamento. Ou seja, é incabível quando não há decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos, mas, sim, opção do Conselho de Sentença por uma das versões - baseadas em fatos válidos e comprovados durante o processo - apresentadas para o ocorrido, a qual deságua em um juízo final de condenação ou absolvição (há quem defenda a inconstitucionalidade do recurso de apelação manejado pelo órgão acusador com fundamento no art. 593, III, d, do CPP). Nessa circunstância, a meu ver, o apelo afasta a autonomia da instituição do Tribunal do Júri, em claro desrespeito ao princípio constitucional que o erige ao status de soberano. Valem aqui as premissas que Nucci quanto à recorribilidade dos vereditos do Conselho de Sentença: “Quando interposta apelação, quanto ao mérito da decisão popular, deve o Tribunal togado agir com a máxima cautela, a fim de não dar provimento a todo e qualquer apelo, somente porque entende ser mais adequada outra avaliação. Ou porque o veredito popular contraria a jurisprudência da Corte. Nada disso interessa ao jurado, que é leigo. Respeitar a soberania dos veredictos significa abdicar da parcela de poder jurisdicional, concernente ao magistrado togado, para, simplesmente, fiscalizar e buscar corrigir excessos e abusos, mas sem invadir o âmago da decisão, crendo-a justa ou injusta. O parâmetro correto para a reavaliação do Tribunal togado em relação à decisão do júri é o conjunto probatório: se há duas versões válidas, dependentes apenas da interpretação, para levar à condenação ou à absolvição, escolhida uma das linhas pelo Conselho de Sentença, há de se respeitar sua soberania. Nenhuma modificação pode existir” (Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010). Essas minhas preocupações, que ora compartilho com Vossas Excelências, já foram objeto de análise pelo eminente Ministro Celso de Mello no julgamento do HC nº 100.975/SP, o qual, com a proficiência que lhe é peculiar, assentou, entre outros aspectos, que ‘não obstante reformáveis as decisões emanadas do Júri, é preciso salientar - até mesmo para tornar efetivo o respeito ao princípio constitucional da soberania dos seus veredictos - que deve ser excepcional, como já pôde advertir este Supremo Tribunal Federal, o provimento do recurso de apelação interposto dos atos decisórios proferidos pelo Conselho de Sentença (RTJ 48/324-325, Rel. Min. EVANDRO LINS)’ (Segunda Turma, DJe de 2/8/13)”. Ainda naquela oportunidade, ressaltou sua Excelência que ‘a apelabilidade das decisões emanadas do Júri, nas hipóteses de conflito evidente com a prova dos autos, não ofende o postulado constitucional que assegura a soberania dos veredictos desse Tribunal Popular (...)’ (grifos do autor)”. Por sua vez, o direito de aguardar em liberdade o julgamento do recurso especial não significa, por si só, amplificar as possibilidades de reconhecimento de prescrição e, por via de consequência, de impunidade. Como destaquei no RE nº 839.163/DF-QO, Pleno, de minha relatoria, DJe de 10/2/15, “[o] Supremo Tribunal Federal admite a determinação de baixa dos autos independentemente da publicação de seus julgados seja quando haja o risco iminente de prescrição, seja no intuito de repelir a utilização de sucessivos recursos, com nítido abuso do direito de recorrer, cujo escopo seja o de obstar o trânsito em julgado de condenação e, assim, postergar a execução dos seus termos”. Digno de nota, ainda, o entendimento desta Corte de que os r ecursos especial e extraordinário não admitidos na origem, em decisões mantidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, não têm o condão de empecer a formação da coisa julgada. Ilustrativo, a esse respeito, o voto condutor do julgado proferido no ARE nº 806.216/DF-AgR, Segunda Turma, de minha relatoria, DJe 25/9/15, “É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o indeferimento do recurso extraordinário na origem, por inadmissível, e a manutenção dessa decisão pela Corte não têm o condão de obstar a formação da coisa julgada. Confira-se julgado específico sobre o tema: “HABEAS CORPUS. PRESCRIÇÃO PENAL. PRETENSÃO PUNITIVA. RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO INDEFERIDOS. AGRAVOS IMPROVIDOS. 1. Não tendo fluído o prazo de dois anos (CP, art. 109, VI) entre os vários marcos interruptivos (data do crime, recebimento da denúncia e sentença condenatória recorrível) e sobrevindo acórdão confirmatório da condenação, antes do decurso do período fixado em lei, está exaurida a chamada prescrição da pretensão punitiva. 2. Recursos especial e extraordinário indeferidos na origem, porque inadmissíveis, em decisões mantidas pelo STF e pelo STJ, não têm o condão de empecer a formação da coisa julgada. 3. HC indeferido” (HC nº 86.125/SP, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 2/9/05). Conforme bem asseverou a eminente relatora daquele julgamento, “(...) o trânsito em julgado, da condenação é marco divisório de duas espécies de prescrição. Com o trânsito em julgado termina a fase da pretensão punitiva. E tem início a fase da prescrição executória. Mas o condenado pode, sim, impedir e obstar a formação da coisa julgada. Basta interpor recursos especial e extraordinário. Indeferidos, porque inadmissíveis, pode o condenado lançar mão dos agravos de instrumento. E até mesmo dos agravos regimentais, caso tenham o seguimento negado. Pode, ainda, manejar embargos de declaração. Porém, não pode ser olvidado que o recurso capaz de impedir a coisa julgada é o recurso admissível. E, se o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça reconhecem a inadmissibilidade, confirmando o que decidido no juízo de admissibilidade, os efeitos desse reconhecimento retroagem.” Perfilhando esse raciocínio, destaco, de minha relatoria, o seguinte julgado: “Agravo regimental no agravo de instrumento. Matéria criminal. Ausência de peças de traslado obrigatório. Precedentes. Crime de apropriação indébita previdenciária. Artigo 168-A do Código Penal. Débito previdenciário incluído no programa de parcelamento ordinário de débitos tributários. Lei nº 11.941/09. Suspensão da pretensão punitiva estatal e do prazo prescricional. Artigo 68 da lei de regência. Impossibilidade. Ocorrência anterior do trânsito em julgado. Precedentes. Regimental não provido. 1. As cópias do acórdão recorrido e do acórdão do embargos de declaração são peças de traslado obrigatório, nos termos do art. 544, § 1º, do Código de Processo Civil. Incidência da Súmula nº 288/STF. 2. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que incumbe exclusivamente ao agravante a responsabilidade pela correta formação do instrumento com o completo traslado das peças, não se admitindo o suprimento de eventuais falhas ou a realização de diligências junto a esta Corte. 3. Na espécie, diante da jurisprudência desta Corte, preconizada no sentido de que ‘ recursos especial e extraordinário indeferidos na origem, porque inadmissíveis, em decisões mantidas pelo STF e pelo STJ, não têm o condão de empecer a formação da coisa julgada. 3. HC indeferido’ (HC nº 86.125/SP, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie , DJ de 2/9/05), o feito definitivamente transitou em julgado em 15/10/09, antes, portanto, de 19/11/09, data do pagamento da primeira parcela, momento que o parcelamento começou a produzir seus efeitos. Assim, não há falar em suspensão da pretensão punitiva. 4. Agravo regimental ao qual se nega provimento” (AI nº 788.612/SP-AgR, Primeira Turma, DJe de 16/11/12 – grifei).

    Obs. Devido a limitação de caracteres do site, não foi possivel postar na integra o voto, sendo assim, segue o link para baixar e ler http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC152752ministroDT.pdf

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