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26 de Abril de 2024
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    O voto do relator no habeas corpus do ex-presidente Lula do ministro Edson Fachin

    Leia a íntegra do voto do ministro Edson Fachin (relator) quanto ao mérito do Habeas Corpus (HC) 152752

    há 6 anos

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    V O T O

    O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): 1. Senhora Presidente, vencido na preliminar, passo ao exame do mérito. Trata-se neste HC da análise da higidez de um ato concreto apontado como coator e tido como configurador de ilegalidade ou abuso de poder. Por isso, é tema circunscrito e de menor amplitude em relação às ações objetivas (as ADCs 43 e 44). Não é a hipótese de implementar, neste habeas corpus, uma revisita ao tema subjacente. O objeto deste HC se coaduna com a destinação constitucional do remédio constitucional em apreço: “Art. 5º. (…) LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder; (...)”. Em outras palavras, o que está em questão, nesta ocasião, é o julgamento do ato indicado como coator, um ato concreto do STJ num caso específico. A partir do texto constitucional acima citado e da jurisprudência deste STF, a pergunta que emerge é: haveria no ato indicado como coator ilegalidade ou abuso de poder? Apresento a resposta. 2. Conforme já mencionado em sede preliminar, apontou-se como ato coator, inicialmente, a decisão monocrática, proferida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Posteriormente, por meio de aditamento, a defesa noticiou a superveniência, no contexto daquele Tribunal Superior, de acórdão denegatório da ordem, decisão assim ementada: “HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO PASSIVA E LAVAGEM DE DINHEIRO. PRISÃO DETERMINADA PELO TRIBUNAL APÓS O JULGAMENTO DA APELAÇÃO.POSSIBILIDADE. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. LEGALIDADE. RECENTE ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. REGIME INICIAL FECHADO. POSSIBILIDADE. SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS. MATÉRIA NÃO ENFRENTADA PELO TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. HABEAS CORPUS DENEGADO. I - Após o julgamento do Habeas Corpus n. 126.292/SP (STF, Relator Ministro TEORI ZAVASCKI, TRIBUNAL PLENO, julgado em 17.2.2016), esta Corte passou a adotar o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que "a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo , inciso LVII, da Constituição Federal". Em outras palavras, voltou-se a admitir o início de cumprimento da pena imposta pelo simples esgotamento das instâncias ordinárias, ou seja, antes do trânsito em julgado da condenação, nos termos da Súmula 267/STJ. 2. O Supremo Tribunal Federal também reconheceu a repercussão geral do tema (ARE 964.246/SP, Rel. Ministro TEORI ZAVASCKI) e, em 11.11.2016, decidiu, em Plenário Virtual, pela reafirmação de sua jurisprudência externada no mencionado HC 126.292/SP. II - No particular, como a sentença condenatória foi confirmada pelo Tribunal de origem, se eventualmente rejeitados os Embargos de Declaração sem efeitos modificativos, e porquanto encerrada a jurisdição das instâncias ordinárias (bem como a análise dos fatos e provas que assentaram a culpa do condenado), é possível dar início à execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da condenação, sem que isso importe em violação do princípio constitucional da presunção de inocência. III - O Superior Tribunal de Justiça já firmou orientação no sentido de que não há que se falar em reformatio in pejus, pois a prisão decorrente de acórdão confirmatório de condenação prescinde do exame dos requisitos previstos no art. 312 do Código Penal. Entende-se que a determinação de execução provisória da pena se encontra dentre as competências do Juízo revisional e independe de recurso da acusação. HC 398.781/SP, Quinta Turma, Rel. MIN. RIBEIRO DANTAS, DJe 31/10/2017). IV - Sobressai a incompetência deste Superior Tribunal de Justiça para a análise da impetração, quando a matéria de fundo, alegada no mandamus, que é questão eleitoral, não foi objeto de debate e decisão pelo Tribunal a quo, sob pena de indevida supressão de instância. Precedente. Habeas Corpus denegado.” (HC 434.766/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 06/03/2018, DJe 15/03/2018) O que se perquire, nesta impetração, é se tal ato apontado como coator configura, ou não, ilegalidade ou abuso de poder. 3. Quanto a isso, do ato apontado como coator, por relevante, transcrevo trecho do voto proferido pelo Relator, o eminente Min. Felix Fischer (grifei): “Com efeito, o vetor hermenêutico atualmente conferido pela e. Corte Suprema e por esta Corte Superior, repisando a jurisprudência por um lapso temporal adormecida, direcionase, novamente, no sentido de que o artigo 283 do CPP (…) não impede a antecipada execução da reprimenda, pois uma vez encerrada a análise de fatos e provas que assentam a culpa do condenado, com o exaurimento das instâncias ordinárias, legitimada está a execução provisória, independentemente do preenchimento dos pressupostos e requisitos insertos no artigo 312 do Código de Processo Penal ou mesmo de específico requerimento ministerial, uma vez que não são dotados os recursos extremos de efeito suspensivo.“ Também menciono que o eminente Min. Reynaldo Soares da Fonseca, tomando de empréstimo decisão proferida em outro feito pela eminente Min. Maria Thereza de Assis Moura, assentou que (grifei): “Diante do aludido posicionamento da Corte Suprema, não há ilegalidade na determinação da execução da pena após rejeitados os embargos de declaração formulados contra o acórdão da apelação.” Prossegue Sua Excelência: “Assim, a partir do início de 2016, o guardião da Constituição Federal esclarece (determinando) que a segregação do cidadão, após o exaurimento da jurisdição das instâncias ordinárias, independe do preenchimento dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal porque representa a (então autorizada) execução provisória da pena, não havendo mais que se falar em prisão preventiva.” Na mesma linha, colho o pronunciamento do eminente Min. Ribeiro Dantas (grifei): “Ora, se o Supremo Tribunal Federal considerou, ao julgar o precedente debatido, que no processo existia repercussão geral, e era caso de afetá-lo a seu Plenário Virtual e decidi-lo com efeito erga omnes, não pode este mero Órgão Divisionário de Tribunal que está debaixo da jurisdição da Corte Suprema presumir nisso uma ilegalidade, porque, por óbvio, o Juízo disso - e Juízo único - é o próprio STF.” O eminente Min. Joel Ilan Paciornik, por sua vez, aduziu o seguinte (grifei): “Acresça-se, ainda, que o Plenário do STF aprovou este precedente há pouco mais de um ano, após profundo e maduro debate, razão pela qual, às Cortes de apelação e a este Tribunal Superior, comprometidos com um sistema jurídico estável e previsível, não cabe deixar de aplicá-lo. Somente ao Supremo Tribunal Federal, a quem incumbe a última palavra sobre interpretação de normas constitucionais, compete alterar seu posicionamento.“ Já o eminente Min. Jorge Mussi, assentou (grifei): “Em atenção ao que decidido pelo Pretório Excelso, esta Corte Superior de Justiça tem proclamado a legalidade e constitucionalidade da execução provisória da pena, afastando a alegação de ofensa ao princípio da presunção de inocência, conforme se observa dos seguintes julgados recentes oriundos de ambas as Turmas que compõem a Terceira Seção.” Esse cenário, a meu sentir, por si só, já indica que o ato apontado como coator não traduz ilegalidade ou abuso de poder, eis que consentâneo, ao tempo em que proferido, com a compreensão majoritária deste Tribunal Pleno. Acrescento que o Código de Processo Civil, aplicável à espécie pela incidência do art. do Código de Processo Penal, prescreve, em seu art. 926, que os “tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. Não houve, ao menos até o momento, revisão plenária em sede de controle abstrato de constitucionalidade. Seria possível dizer que haveria ilegalidade ou abuso de poder num ato imputado como coator no qual é seguida a jurisprudência majoritariamente dominante no STF? Nesse exato sentido, cito Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero: “O art. 926, CPC, institui claramente o que a doutrina chama de stare decisis horizontal. Ao dizer expressamente que há dever de outorgar unidade ao direito e de fazê-lo seguro – o que implica torná-lo cognoscível, estável e confiável – o legislador obviamente determinou ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça respeito aos próprios precedentes, além de ter determinado aos Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais de Justiça respeito à própria jurisprudência formada a partir dos incidentes de resolução de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência. Isso porque a primeira condição para que exista um sistema de precedentes e de compatibilização vertical das decisões judiciais é o respeito por parte das Cortes Supremas aos seus próprios precedentes. Do ponto de vista da administração da Justiça Civil, não é possível respeitar quem não se respeita.” (Novo Código de Processo Civil comentado. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 990, grifei) À luz da regência do Código de Processo Civil, deve ser observada a necessária estabilidade, integridade e uniformidade da jurisprudência, o que é traduzido, inclusive, a partir do dever de autorreferência. Já ao disciplinar o stare decisis segundo um enfoque vertical, prescreve o Código de Processo Civil: “Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; (…) III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;” Nessa perspectiva, não depreendo que ato coator colida com a lei, tampouco que represente abusividade. Ao contrário, o Superior Tribunal de Justiça, ao chancelar a determinação emanada do TRF-4ª, limitou-se a proferir decisão compatível com a jurisprudência desta Suprema Corte e que, por expressa imposição legal, deve manter-se íntegra, estável e coerente. Consigno que é possível, em tese, que a compreensão desta Suprema Corte seja modificada se e quando verificar-se o julgamento das ADCs 43 e 44. Ressalto que, até tal ocorrência, não é cabível reputar como ilegal ou abusivo o pronunciamento jurisdicional, mormente por órgão inferior, que se coaduna com o entendimento então prevalecente, tampouco atribuir ao Superior Tribunal de Justiça a infactível tarefa de alterar ou dissentir, em matéria constitucional, da compreensão explicitada por esta Suprema Corte. Portanto, não verifico justificativas teóricas ou práticas, jurídicas ou fáticas, que autorizem a censura do ato apontado como coator. 4. Ademais, a proteção eficiente dos direitos fundamentais, o que se dá, entre outros instrumentos, por meio do Direito Penal, permitiu-me assentar, em voto anterior, que a República Federativa do Brasil tem sido questionada em organismos internacionais quanto à tutela dos direitos humanos em razão da ineficiência do seu sistema de proteção penal a direitos humanos básicos (grifei): “O caso mais notório, julgado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em 04 de abril de 2001, teve como autora Maria da Penha Fernandes, vítima de tentativas de homicídio por parte de seu marido, que tentou eletrocutá-la, no ápice de uma série de agressões sofridas durante toda sua vida matrimonial. O Ministério Público ofereceu denúncia contra o agressor em 28.09.1984, porém passados dezessete anos da data dos fatos, sem que o Poder Judiciário brasileiro tivesse proferido uma sentença definitiva sobre o caso que se aproximava da prescrição, a Comissão condenou o Brasil, por reconhecer a ineficiência da proteção penal à vítima, a uma série de medidas que resultaram, por exemplo, na hoje conhecida Lei nº 11.340/2006 (Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Caso 12.051, Relatório 54/01, Maria da Penha Maia Fernandes v. Brasil, 2001, disponível em , acesso em 06.09.2016). Há ainda, dentre outros exemplos dignos de nota, o caso Sétimo Garibaldi versus Brasil, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em 23 de setembro de 2009. A Corte condenou o Brasil por reconhecer a inefetividade do Estado brasileiro em oferecer uma resposta para a morte de Sétimo Garibaldi, ocorrida em 27 de novembro de 1998, no Município de Querência do Norte no Estado do Paraná, onde foi vitimado. Considerou a Corte que há direito de obter uma resposta justa e efetiva sobre o acontecido (CORTE IDH. Caso Garibaldi vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparação e Custas. Sentença de 23 de setembro de 2009. Série C n. 203, disponível em , acesso em 06.09.2016). A morosidade judicial em apresentar soluções a casos criminais que decorrem de intensa violação a direitos humanos levou à condenação do Brasil, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 04 de julho de 2006, no caso Ximenes Lopes versus Brasil. Damião Ximenes Lopes era deficiente mental e foi vítima de maus tratos em uma casa de repouso no Município de Sobral/CE, os quais foram causa de sua morte. Na condenação, dentre outras razões, a Corte considerou violados os direitos e garantias judiciais à proteção judicial em razão da ineficiência em investigar e punir os responsáveis pelos maus tratos e óbito da vítima. Considerou-se que após 06 (seis) anos não havia sequer sentença de primeiro grau. (CORTE IDH. 2006. Caso Ximenes Lopes vs . Brasil. Série C. Sentença de 04 de julho de 2006. Mérito, Reparações e Custas. Disponível em: articulos/ seriec_149_por.pdf . Último acesso em: 3 de outubro de 2016). A deficiência da proteção penal a vítimas de violações graves a direitos humanos foi decisiva na acusação que o Brasil sofreu perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no caso que ficou conhecido como o Caso dos Meninos Emasculados do Maranhão. Entre 1991 e 2003, uma série de homicídios foi praticada no Maranhão contra crianças de 8 a 15 anos. Apurou-se o total de 28 homicídios, tendo a maioria dos corpos sido encontrada com as genitais mutiladas. O Brasil firmou acordo reconhecendo a ineficiência da proteção penal às vítimas, assumindo uma série de compromissos em decorrência disso. (Comissão Interamericana de Direitos Humanos. 2006. Caso Meninos Emasculados do Maranhão. Casos 12.426 e 12.427 contra a República Federativa do Brasil. Solução amistosa de 15 de março de 2006. Disponível em: BRSA12426PO. doc. Último acesso em: 3 de outubro de 2016). Digo isso, Senhora Presidente, para rechaçar a pecha de que esta Suprema Corte, em 17 de fevereiro próximo passado, ao julgar o Habeas Corpus 126.292/SP, sucumbiu aos anseios de uma criticável sociedade punitivista, comprimindo direitos humanos num ambiente de histeria. A busca pela racionalidade do sistema penal passa pela compreensão dos direitos humanos também sob uma outra perspectiva, ou seja, pela perspectiva segundo a qual, como tem entendido esta Suprema Corte, ao acatar o princípio da proibição de proteção deficiente, e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, desde o julgamento do caso Velásquez Rodriguez versus Honduras, que as condutas violadoras de direitos humanos devem ser investigadas e punidas, evitandose a reincidência. Afinal, como bem se colhe da obra de Antonio Escrivão Filho e José Geraldo de Sousa Junior, na medida em que os direitos humanos sejam compreendidos como produtos dos processos sociais de lutas por dignidade, identifica-se no conceito de exigibilidade uma condição de duplo efeitos essencial para os direitos humanos: de um lado, a delegação de legitimidade política e jurídica para a sociedade exigir a efetivação de seus direitos, e de outro, a noção imperativa de respeito e promoção ativa e contínua destes direitos por parte do Estado (GEDIEL, GORSDORF, ESCRIVÃO FILHO et. all, 2012) (Para um debate teórico-conceitual e político sobre os direitos humanos . Belo Horizonte : De Plácido. 2016, p. 64)” Mais recentemente, a Corte Interamericana condenou o Estado brasileiro por, entre outras, violação à garantia de uma duração razoável nas investigações relacionadas ao Caso Favela Nova Brasília. Assentou que a Corte considera que não foi dado andamento à investigação, além de ter sido erroneamente aplicada a prescrição à investigação dos fatos. Determinou, ao fim, que o Estado brasileiro abstenha-se de “recorrer a qualquer obstáculo processual para eximir-se dessa obrigação, por tratar-se de prováveis execuções extrajudiciais e atos de tortura” (Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Favela Nova Brasília v. Brasil, Sentença de 16 de fevereiro de 2017, par.292). À mesma conclusão chegou a Corte, meses antes, no caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde v. Brasil (sentença de 20 de outubro de 2016). Nesse caso, a Corte assentou “os Estados têm a obrigação de garantir o direito das vítimas ou de seus familiares a participarem em todas as etapas dos respectivos processos, de maneira que possam apresentar petições, receber informações, aportar provas, formular alegações e, em síntese, fazer valer seus direitos”, visto que “esta participação deverá ter como finalidade o acesso à justiça, o conhecimento da verdade sobre o ocorrido e a concessão de uma justa reparação” (par.376). De tal modo, mesmo sob a perspectiva dos direitos fundamentais, não verifico alteração no panorama jurídico que autorize considerar o ato coator como revelador de ilegalidade ou abuso de poder. 5. A alegação de que a deflagração da fase executiva decorreria de precedentes sem força obrigatória também não conduz a resultado diverso. Em primeiro lugar, é induvidoso que o Código de Processo Civil de 2015 consolidou cenário processual caracterizado por ferramentas de gestão de litigiosidade voltadas a conferir eficácia obrigatória a determinados precedentes. Nessa direção, o CPC é expresso ao reconhecer que é admissível reclamação “proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida” (art. 988, § 5º, II), a indicar que tais pronunciamentos não possuem mera eficácia persuasiva. Da mesma forma ocorre quanto às manifestações do Plenário da Suprema Corte em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Daí que, com o devido respeito, é questionável a alegação defensiva no sentido de que os precedentes do Supremo Tribunal Federal quanto à matéria não veiculariam compreensão com força vinculante. De toda sorte, é certo que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região não utilizou a eficácia vinculante de tais precedentes como razões de decidir. Ao contrário, firmou posição própria, inclusive materializada em verbete sumular local (Súmula 122/TRF4), lançando mão das manifestações do Plenário apenas a título de corroboração de sua convicção, forte na eficácia persuasiva que, em geral, integra os pronunciamentos da Suprema Corte. Assim, ainda que se admitisse o caráter meramente persuasivo de tais precedentes colegiados e, portanto, a ausência de caráter vinculante, isso em nada alteraria o panorama conclusivo, na medida em que ainda assim não seria flagrantemente ilegal ou teratológica a decisão que aderisse a tal entendimento. Destarte, a questão atinente à ausência ou não de força vinculante, no caso concreto, não se revela idônea a influir no deslinde processual. 6. No que se refere à ausência de motivação concreta da imposição da prisão, o que, em tese, poderia configurar ofensa ao art. , LXI e art. 93, IX, CF, enfatizo que a necessidade de fundamentação da ordem escrita de autoridade judiciária deve ser compreendida à luz do momento processual em que inserida. Vale dizer, o implemento da execução provisória da pena, nos termos das decisões tomadas pelo Plenário, atua como desdobramento natural do esgotamento das instâncias ordinárias e do cabimento, em tese, tão somente de recursos despidos de automática eficácia suspensiva, de modo que, assim como ocorre na deflagração da execução definitiva, não se exige motivação particularizada. Trata-se, em verdade, tão somente de cumprimento do título condenatório, este sim caracterizado pela necessidade de robusta motivação. 7. Também não impressiona a alegação de ocorrência de reformatio in pejus, aspecto corolário do contraditório e da ampla defesa e derivado do artigo 617 do Código de Processo Penal, que prescreve que, no âmbito dos órgãos recursais, não poderá “ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença”. Esse postulado, ao qual os Tribunais têm atribuído interpretação ampliativa, inclusive com alcance de prejuízos qualitativos, materializa a personalidade dos recursos. A esse respeito, enuncia a doutrina: “O princípio da personalidade dos recursos significa que: a) o recurso só pode beneficiar à parte que o interpôs, não aproveitando a parte que não recorre; e, como via de consequência, que b) quem recorreu não pode ter sua situação agravada, se não houve recurso da outra parte.” (GRINOVER. Ada Pellegrini e outros. Recursos no processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008. p. 43) Tal compreensão tem assento na perspectiva de que o recurso constitui desdobramento do direito de ação. Nesse enfoque, impor situação prejudicial ao réu sem insurgência da acusação consubstancia ato semelhante à submissão de pleito condenatório despido de imputação, de modo que se nota íntima relação entre a vedação da reformatio in pejus e o sistema acusatório. Ocorre que esse modo de pensar não pode ser transportado, de forma automática, para a execução penal, atmosfera processual em que não há acusação propriamente dita e que é regida, quanto à instauração e processamento, por critérios de oficialidade, conforme expressamente preceitua a Lei n. 7.210/84 (Lei de Execucoes Penais): “Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. (…) Art. 194. O procedimento correspondente às situações previstas nesta Lei será judicial, desenvolvendo-se perante o Juízo da execução. Art. 195. O procedimento judicial iniciar-se-á de ofício, a requerimento do Ministério Público, do interessado, de quem o represente, de seu cônjuge, parente ou descendente, mediante proposta do Conselho Penitenciário, ou, ainda, da autoridade administrativa.” Não bastasse, não comungo da compreensão no sentido de que o acórdão penal condenatório que determina o início da execução provisória da pena concede providência sem requerimento do Ministério Público. Entender que o requerimento para cumprimento de pena, provisório ou definitivo, não está contido, desde o início, na pretensão acusatória é negar, em sua inteireza, o próprio direito constitucional de ação, porque limita temporalmente os efeitos da pretensão deduzida em juízo quando o ordenamento jurídico admite, expressamente, que os recursos excepcionais não são dotados de automática eficácia suspensiva. Assim, a ilegalidade apontada, a meu ver, não merece ser reconhecida. Nessa ótica, não verifico pronunciamento jurisdicional, ainda que anterior, que dê guarida à alegação de que o TRF-4ª teria incorrido em indevida reformatio in pejus, tampouco sustentação jurídica ao condicionamento do início da execução à existência de pedido específico da acusação. 8. Com relação à plausibilidade das teses que, segundo a defesa, serão futuramente arguidas em sede de recurso especial, trata-se de tema, em tese, de potencial repercussão na tutela cautelar que, de modo excepcional, poderá ser concedida pelas instâncias antecedentes. Com efeito, o Código de Processo Civil estabelece atribuições próprias para exame de tal natureza: “Art. 1.029. (…) § 5o O pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário ou a recurso especial poderá ser formulado por requerimento dirigido: I – ao tribunal superior respectivo, no período compreendido entre a publicação da decisão de admissão do recurso e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-lo; II - ao relator, se já distribuído o recurso; III – ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, no período compreendido entre a interposição do recurso e a publicação da decisão de admissão do recurso, assim como no caso de o recurso ter sido sobrestado, nos termos do art. 1.037.” Convém salientar que, no momento, o feito de origem encontra-se em fase de apreciação no TRF-4ª de embargos de declaração opostos contra o acórdão que confirmou a sentença condenatória. Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça consignou, acertadamente, no ato apontado como coator que o exame da relevância das teses listadas pela defesa afigurar-se-ia prematuro, visto que sequer encerrada a jurisdição ordinária, o que se alinha ao estipulado no aludido art. 1.029, CPC. 9. Ante o exposto, sob todos os ângulos ora enfocados, por não verificar ilegalidade, abusividade ou teratologia no ato apontado como coator, denego a ordem.

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